Pois domingo fui pro abatedouro cumprir meu papel de adorável mesária que odeia ficar sentada o dia todo sorrindo amarelo para as pessoas civilizadas. Pelo visto será minha última eleição no nobilíssimo papel, mas mesmo assim não me sinto menos raivosa, por assim dizer. Em primeiro, que achei ridícula essa história de votar no referendo em pleno domingo sendo algo tão simples, uma questão que poderia ser facilmente resolvida juntamente com as próximas eleições, opção esta que seria muito mais econômica e daria mais tempo para as pessoas pensarem bem. Mas pela vitória esmagadora do não, não posso dizer que o povo não teve a chance de raciocinar sobre os prós e contras dessa opção. Acho que a grande maioria de certo modo então pensa como eu no que diz respeito à questão da violência. Ou não, mas foda-se. No final das contas deu tudo na mesma, o Brasil não será desarmado, quem teve medo de perder o porte já tratou logo de renová-lo e essa discussão deve ter servido mais para reacender a vontade de se armar que qualquer outra coisa.
A morte vem com ou sem armas, desde que o mundo é mundo. Na hora do vamos ver neguinho inventa atrocidades novas, o cabra traído puxa o facão e degola facinho facinho a cadela infiel, a recém-parida depressiva sufoca o nenê com o travesseiro silenciosamente à noite, e outros tantos tomam veneno de rato pra dar cabo da vida ingrata. E onde entra o pistolão nessa história? Só na hora do assalto, apontada pras nossas cabeças cheirosas de xampú de qualidade, fazendo com que nos caguemos. Arma importada, escopeta de Israel, munição do exército sei lá de onde. Neste aspecto, se o SIM ganhasse, não faria a menor diferença. Todos os Zés das portarias continuariam ouvindo notícias sanguinolentas em seus radinhos de pilha do Paraguai. E comentariam com a velhinha do 72 como o mundo anda perdido e coisa e tal.
Há tempos perdi as esperanças, todas as que tive ou poderia vir a ter. O medo grita que todos não prestam, que o melhor a fazer é se proteger das utopias e dessa ingenuidade de achar que tudo pode ser bonito um dia novamente. Seria mais fácil ver o Saci pererê a pular por aí. Todavia eu ainda voto, vou lá cumprir meu papel de cidadã e fico digitando números e números de títulos, despachando um por um os que vão aparecendo resmungando ou serelepes com crianças felizes a tiracolo, afoitas para apertar os botões pra ouvir o trililí da urna a apitar. E tudo passa e tudo fica na mesma, mas de vez em quando de tempos em tempos alguma coisa muda, mesmo que pareça continuar tudo na mesma, pra melhor ou pra pior.
Levanto às 7 da manhã, ligo a tevê e lá está o repórter sonolento da Globo mostrando meus infelizes colegas mesários dentro do Mackenzie carregando as urnas para dentro das salas e eu ainda de pijama e remela no olho enquanto deveria já estar lá também. É o tempo de tomar um banho rápido pra acordar, vestir a primeira roupa e ir lá, porque apesar de tudo ainda há algo de bom em tudo isso.
Meus amigos sumidos reaparecendo, e até mesmo os parentes que não via há muito tempo, todos eles eu vejo lá, na eleição, com um bico enorme se desfazendo ao rever todos aqueles que de certo modo são queridos, em maior ou menor grau. Eu gosto muito de ver minhas amigas, vi até a minha tia de lenço verde na cabeça, depois de muito tempo sem a ver, embora morando perto. E quase levo bronca por levar uma hora a mais durante o almoço por ficar fofocando as novidades com todo mundo, com tantas coisas pra contar, tantos abraços pra dar, e as urnas trililililí apitando, botõezinhos apertados, aperta e confirma. E eu acho isso mais legal. Muito melhor do que ver que o resultado da eleição era aquele que você já esperava, que aquilo tudo parece um circo armado para que o pensamento das pessoas no entanto não se flexibilize e que de certo modo você estava puto por tudo isso e de repente toda aquela merda se desfaz, para aproveitar o que o dia tem de bom, rever os amigos e depois morrer de sono as 7 horas da noite quando se tem tanto a fazer.
E meu dia no domingo foi este, e estou agora aqui pra contar. O referendo não foi confirmado pela sociedade, o Brasil votou não à proibição da comercialização de armas e a vida continua. Passei metade do dia com fome e uma dor de barriga descomunal, e a chuva da tarde veio para batizar os nossos sapatos furados. E nada disso no entanto desfaz minha cara azeda de limão quanto à questão da relevância de tudo isso. Enquanto as pessoas continuarem sem educação não adianta essa bobagem toda, fazem tudo errado, mas nem todos dão vivas à burrice e a esse sufoco que é viver no país da impunidade, carnaval e das quotas raciais. Minha bunda para o governo. Minha bunda para as eleições. Não merecem um peido e eu não me condôo. O coração ficando preto; preto de carvão e não de pretice-lenga-lenga do pseudo-orgulho de ser negão do cabelo sarará com alisabel que vira quotista de bosta pras questões do vestibular. É que o Brasil é assim, tem acarajé e atestado de hipocrisia máxima, regado a pizza, bundas em propagandas de cerveja, putas mirins e muita indecência, mas todo mundo sorri feliz com seus dentes estragados enchendo o cu de feijoada.
Por isso eu digo: puta que pariu.
Um comentário:
Palpite infeliz ou não, fato é que o texto ficou legal e eu sinto pelo seu domingo desperdiçado. A sorte é que ainda não voto. =0D Bye.
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